[Resenha] do jeito que AHHH! encruzilhando beiradas, de Marcos Roberto dos Santos Amaral
Sinopse: Miscelânea de estilos, métricas, imagens, materialidades semióticas, referências de poetas e outros artistas e outras esferas de produção; palimpsesto de versos verbais e imagéticos que se repetem – ipsis litteris, em partes, ou somente em alusão, do próprio autor ou de outros – mas que se diferenciam para vivenciar outros sentidos e outros afetos; panóplia de possibilidades de criação poética… são encruzilhados para iluminar, obumbrar, chocar, deleitar, a toa, fundir tempos, espaços, sujeitos, possibilidades e impossibilidades, confundir fronteiras, atrair mais as que duas margens obnubiladas abissais para excitar inspirações, transpirações e fugas do dado e delírios encontrados no esdrúxulo íntimo do belo do sábio do paranoico do revolucionário do que passa e não se vê e da vontade de oferecer algo que expurgue esconjure sensibilidades doentias e escravizadoras. Isso tudo do jeito que dá, inventando maneiras baratas de publicar e se aprofundando nas poéticas consagradas e marginais e experimentais e soltando o verbo como no paroxismo de um grito numa pilora de desespero e sobriamente consciente do que se está fazendo. E no meio saturação, vertigem, descentramento do feito, relativização do novo, encruzilhadas e fendas a beira de buracos dislalias gagueiras lapsos monumentos vislumbres alucinações encantos as vozes e os corpos do poeta saltam, não necessariamente em compasso, para encenar o aedo, o bardo, o vate, o bobo, o sátiro, o xamã, a musa, a lira, a sibila, a santa. Tempestade verbal, mutação e clínica. Eis mais um livro: voos subidas derivas.
Eu gosto de como a leitura de poesia consegue me surpreender com reações físicas, às vezes quase imediatas, em resposta ao convite feito pelas palavras. O interessante é que nem sempre o tema é novidade para mim, nem precisa, mas causa arrepio, assusta, pode apaixonar. Enfim, convida a sentir.
Talvez por isso eu permaneça tão temerosa em escrever sobre coletâneas de poemas quanto inclinada irresistivelmente a fazê-lo. Ao meu favor, tenho a justificativa de não fazer uma análise fria dos componentes estruturais do gênero e sim compartilhar o que senti no contato.
“do jeito que AHHH! encruzilhando beiradas”, de Marcos Roberto dos Santos Amaral, publicado pela Tome aí um poema, já é um convite pelo título. Confesso que ainda estou lendo e criando sentidos para o “encruzilhando beiradas”. Só o título desse livro, você há de concordar comigo, já nos coloca um belo ponto de interrogação na cabeça. Mas é uma dúvida seguida de uma exclamação.
O ‘Encruzilhando’ vai criando espaços de interpretação e dialogando com outros autores e gêneros, talvez sem intenção, mas por influência do sentir-se humano. Em alguns poemas, especialmente em “ditirambo infinito ou da boniteza descurada”, não pude deixar de lembrar da leitura de “Short Movies”, de Gonçalo M. Tavares, pois fui visualizando os versos projetados em meu cérebro. Aqui, Marcos captura pequenos momentos e entrelaça-os, em uma malha poética. Ainda falando sobre o possível diálogo com outros autores, “Barata”, lembrou-me muito o conto “A quinta história”, de Clarice Lispector e do livro “Múltipla Escolha”, de Alejandro Zambra, esse pela possibilidade de preencher as lacunas e criar, junto ao autor, o(s) sentido(s) para o texto.
Durante a leitura fui anotando vários poemas de que gostei e que são bastante diferentes entre si em relação ao tema ou estrutura. O autor explora não só os múltiplos significados, como também a estranheza que pode causar no leitor. “Mussarela”, por exemplo… estou sentindo o choque até agora! Além dos versos tradicionais, Marcos também é poeta verbicovisual, ou seja, explora a integração entre o verbal, visual e o sonoro em sua poesia. Podemos ler essa parte de sua obra no ‘encruzilhando’ e também no canal dele no Youtube (vídeo abaixo). Eu senti e gostei de ler esse processo de experimentação contínua da linguagem no livro. Nas palavras do autor “escreve porque pe(r)de-se a mão”.
Leia um dos poemas do livro no vídeo abaixo. Dica: ajuste a velocidade de reprodução para 0.25
Li o ‘encruzilhando’ no formato digital e mesmo assim não posso deixar de pontuar o quanto o projeto gráfico desse livro é bem feito. Aqui a poesia mostra que também é visual desde a capa. Aliás, a jovem Maria Flor, filha do Marcos, é a modelo da bela foto de capa e contracapa feita por Thiago Paiva.
Por fim, só posso retomar o próprio autor para dizer que os versos de “do jeito que AHHH! encruzilhando beiradas” “é um outro poema (…) certo de si e do que quer”. Só lendo para entender.
riacho
faço tanta
poesia sob
o mundo
que o mundo
se deita e não
sabe se fui
eu ou ele
Sobre o autor: Marcos Roberto dos Santos Amaral é Doutor em Linguística Aplicada pelo Programa de Pós-graduação em Linguística Aplicada da Universidade Estadual do Ceará, professor da rede estadual de ensino do Ceará, articulador da biblioteca comunitária do Araturi, é poeta autor de poesias verbivocovisuais disponíveis em seu canal no Youtube e do livro A poesia para: outra poesia, dentre tantas. O livro do jeito que AHHH! encruzilhando beiradas está disponível para compra no site da editora Toma aí um poema, neste link.