Filme ‘A filha perdida’ mostra o máximo possível da essência do livro de Elena Ferrante
Olivia Colman como Leda no filme “A filha perdida” (Netflix, 2021)
Quando li A filha perdida pela primeira vez (2019) foi bastante natural a impressão de que todas as mães retratadas no romance eram, principalmente, filhas perdidas. Um “espiral da maternidade, (…) mulheres, meninas, lembranças diversas, unidas em uma característica: todas foram ou estão, física ou psicologicamente perdidas”, como eu disse na resenha que fiz na época. Se esse desnorteamento de que trata a história passa, talvez nem o tempo seja capaz de dizer.
Publicado originalmente na Itália em 2006, no Brasil o livro foi traduzido por Marcello Lino e publicado em 2016 pela Intrínseca. A quem preferir ler antes de assistir, adianto que o livro é curtinho, mas bastante intenso.
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O filme
As férias pacatas de uma mulher mudam de rumo quando sua obsessão por uma jovem mãe hospedada nas proximidades traz à tona antigas lembranças (sinopse).
Por mais que para nós, leitores apaixonados pela obra de Elena Ferrante, o elemento Nápoles-Itália faça falta em qualquer adaptação da obra da autora, Maggie Gillenhaal conseguiu transpor o máximo possível da essência do livro para a tela. A diretora, que também assina o roteiro da adaptação, consegue transmitir toda a sensibilidade que a história requer. Sem exageros e sem distorcer ou vilanizar a protagonista, Leda. Seu olhar feminino transbordou à tela, fez a diferença.
Cinco detalhes marcantes da adaptação
Tanto o livro quanto o filme podem nos mostrar detalhes diferentes a cada contato que estabelecemos com a história. Nesse sentido, listei, abaixo, cinco detalhes marcantes do filme da Netflix que estão ecoando em mim desde a estreia. Talvez em outro momento, outro contato, eu possa ver mais, assim como na nova experiência que tive ao reler o romance agora neste começo de ano. Em síntese, o mais belo de ver em filme.
Sem dúvida a boneca, que para as meninas é mais que um simples brinquedo: é um treino para o que seria nossa principal atividade na vida adulta, a maternidade. Vale observar a importância que a boneca tem não só para a criança no filme, mas principalmente para a própria Leda. No livro, Ferrante diz “Uma mãe não é nada além de uma filha que brinca”. (p. 117)
Também a frequente dualidade retratada em tela é algo que abre espaço a várias interpretações. Um exemplo é a cesta de frutas muito bonitas por cima, mas completamente podres quando olhadas mais de perto.
Os papeis sociais e expectativas e a força com que recaem sobre as mulheres. Uma mulher madura viajando em férias sozinha é estranho? Outra mulher madura grávida do primeiro filho é estranho? Ser mãe e estar cansada é estranho? Ser mãe e ter desejo sexual é estranho? Em suma: por que é estranho?
O espaço que os homens ocupam na narrativa é algo pouco comentado, mas muito importante. Quem são e o que fazem os homens no decorrer do filme? Em atitudes semelhantes, recai sobre eles o mesmo tipo de julgamento dado às mulheres?
Por fim, os momentos em que o filme encontra a essência da literatura de Elena Ferrante, e você não precisa ter lido para entender: situações que, em uma primeira interpretação podem parecer não ter muita importância, parecem não fazer sentido, mas fazem sentir (nas personagens, em nós). Descascar uma laranja nesta história tem um significado muito maior que o usual. É um ponto de aproximação entre a mãe e suas filhas.
Para quem já incluiu A filha perdida na lista de leitura deste ano, sugiro ler também, da autora, Uma noite na praia.
Fui uma das convidadas do episódio 181 do podcast Perdidos na Estante, sobre o filme A filha perdida. Dê o play abaixo para ouvir!
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