[Resenha] 30 poemas de um negro brasileiro, de Oswaldo de Camargo

[Resenha] 30 poemas de um negro brasileiro, de Oswaldo de Camargo

Antologia inédita de poemas de Oswaldo de Camargo, escritor que desmonta, através da literatura, alguns castelos em que se escondem o preconceito e o racismo. 30 poemas de um negro brasileiro é resultado da união de 15 poemas negros ― lançado pela primeira vez em 1961, em uma edição limitada da Associação Cultural do Negro ― e de poemas publicados nas obras O estranho e Luz & breu.

 

Um dos mais importantes intelectuais brasileiros, Camargo traz nos versos deste livro sua autenticidade poética para tratar de negritude e ancestralidade. No prefácio de 15 poemas negros, reproduzido nesta edição, o sociólogo Florestan Fernandes evidencia que as palavras do jovem militante eram atuais à época e seguem atuais hoje, pois suscitam novos ensinamentos: “Ninguém melhor que um poeta para revitalizar as aspirações igualitárias […] que orientaram os grandes movimentos sociais negros da década de 1930”.

 

Numa produção que perpassa mais de quarenta anos de luta e resistência, esta antologia reforça a excepcionalidade da obra de Oswaldo de Camargo, que, a partir da experiência individual e coletiva de homem negro num país de passado escravocrata, reverbera sua voz atemporal.

 

“É uma alegria imensa ter a oportunidade de ver os textos de Seu Oswaldo sendo os responsáveis por esta encantadora abertura de portas, que conduzirá uma nova geração de brasileiros a um encontro com si mesmos.” Emicida.

 

30 poemas de um negro brasileiro, de Oswaldo de Camargo (Companhia das Letras, 2022) já nos arrebata pelo belíssimo projeto gráfico de capa e contracapa que, não por acaso, dialoga com o de O carro do êxito (livro de contos do mesmo autor), ambos com a concepção de Alceu Chiesorin Nunes. Se desejar conferir, só dar uma olhadela da resenha.

Quem teve a oportunidade de ler a coletânea de contos e mergulha agora nas páginas dos 30 poemas…, verá entre ambos uma interlocução que vai além do aspecto visual, que é externo às obras e às intencionalidades do autor, mesmo que venha a traduzir muito do que se encontram nos parágrafos, nos versos e nas entrelinhas. Nos poemas, Oswaldo de Camargo simula narrativas em alguns textos para nos entregar belas composições poéticas, a exemplo de Fragmentos em prosa e Disfarce. Nas histórias de O carro do êxito, a profundidade emotiva e a linguagem burilada nos conduzem às sensações próprias despertadas pela poesia.

Sob o aspecto temático, Oswaldo de Camargo traz nas poesias topoi relacionados às condições de existência da pessoa negra no Brasil, algo que perpassa, também e muito fortemente, em seu livro de contos. Mas lá como cá, o espaço é amplo: comporta legitimamente as angústias e protestos, que dão um tom mais lúgubre a alguns dos poemas (A bala que matou Ninico); e carrega também a exaltação da identidade e a saudação da ancestralidade. É assim, por exemplo, em Oferenda, Festança e Meu grito.

O livro também é pontuado pela religiosidade do autor. Ao passo que muitos escritores e escritoras negros trazem para seus textos componentes da religiosidade de matriz africana, Oswaldo deixa patenteado seu vínculo à religião católica. Ele mesmo é quem reafirma essa ligação no texto Carta a Florestan Fernandes, em que diz, ressaltando as palavras do sociólogo: “Professor, agora sou eu quem sorri, para lhe dar uma nota: 10, professor! O senhor tem inteira razão quando sublinha: negro, brasileiro, católico. 10! Negro, em primeiro lugar.” (CAMARGO, 2022, p. 31). Se trazemos aqui essa informação, o intuito é refletir não apenas sobre os aspectos biográficos que inevitavelmente atravessam a obra literária, mas sobre as expectativas preconcebidas e, pior que isso, preconceituosas que podemos criar ao julgarmos um livro por quem o escreveu ou, mais ainda, por características circunstanciais de quem o escreveu.

Por fim, é de notar que a poesia de Oswaldo de Camargo também nos remete a comparações com autores de mesma envergadura. Em Atitude, oferecido a Cuti (Luiz Silva), ressoa o Protesto, de Carlos de Assumpção. O próprio Camargo elege Grito de angústia para figurar ao lado de outros gritos pujantes da poesia brasileira: “Nas tertúlias literárias comemorativas, comuns na Associação, depois do Sou negro, do Solano Trindade, e Protesto, de Carlos de Assumpção, não podia faltar o meu Grito de angústia.” (CAMARGO, 2022, p. 30-31).

Para aqueles que como eu conheceram a literatura de Oswaldo de Camargo pela leitura de O carro do êxito, continuar a experiência estética pelos versos dos 30 poemas de um negro brasileiro é um privilégio. Vamos aproveitar!

 

Título: 30 poemas de um negro brasileiro

Autor: Oswaldo de Camargo

Editora: Companhia das Letras

Ano: 2022

Páginas: 118

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