[Resenha] A invasão do povo do espírito, de Juan Pablo Villalobos
Sinopse: No novo romance de uma das vozes mais vibrantes e engraçadas da literatura contemporânea, dois imigrantes precisam lidar com uma dura crise existencial em meio a burocracias, teorias da conspiração e uma doença terminal.
“Villalobos transita entre o banal e o absurdo, o local e o global, tratando os temas mais espinhosos com humor fino, sem jamais permitir que essa ferramenta possivelmente cáustica ― o humor ― carbonize o objeto retratado.” Antonio Prata
Este é um daqueles romances em que a gente já espera pelo título que vai ler alguma coisa bem humorada. Leitores desavisados podem pensar em ficção científica misturada com esoterismo, mas isso só aparece em pequenas doses de caricatura. Apesar (ou por isso mesmo) de uma das frases que compõem a epígrafe ser “Não estamos sós”, de Fox Mulder, protagonista de Arquivo X, série de TV dos anos 1990, cujo tema central era a existência de vida alienígena e o conspiracionismo governamental para esconder a “verdade” da população. Por aí já vemos que a história vai nos proporcionar algumas risadas. E não para, já que logo no primeiro parágrafo encontramos os personagens principais: Gastón; Max, seu amigo; Pol, filho de Max; e Gato, o cachorro de Gastón. Isso mesmo, Gato, o cachorro.
Mas o que se segue é uma história que aborda temas delicados, complexos, tratados pelo autor de uma forma impassível. O próprio narrador assente que esta não é uma história de ressentidos. Narrador que Villalobos constrói de forma interessante, como alguém que acompanha o protagonista, Gastón, ou como uma câmera a observar os acontecimentos ao redor dele e conjecturar seus pensamentos e emoções. Este narrador está sempre estabelecendo a comunicação com quem lê. Se o recurso não é novidade na literatura (Machado de Assis o utilizou recorrentemente, por exemplo), o autor o diferencia de outros por suspender o depoimento do narrador em algumas passagens, seja para respeitar um momento de privacidade, de comoção ou simplesmente porque não conseguiu observar a cena.
Gastón e Max são amigos de longa data que se conheceram por relações comerciais. O sistema de comunicação dos dois parece mais baseado na presença do que propriamente no diálogo.
De repente, Gastón se comove, sente o rosto te esquentar, e os canais lacrimais recebem um sinal de alerta: são os hormônios da tristeza. Em trinta anos não tiveram que dizer essas coisas um ao outro, nunca, sua amizade era feita de subentendidos, de eufemismos, de brincadeiras ferinas, de gestos repetidos milhares de vezes, de tudo isso que os mantinha a salvo de ter que falar a sério.
Ambos são estrangeiros que deixaram suas origens há muitos anos, mais pela necessidade da fuga do que em busca de melhores condições de existência material, situação que se choca com os recentes processos migratórios para as regiões centrais do capitalismo: Estados Unidos e a Europa Ocidental, para onde muitas pessoas se deslocam em busca de uma vida mais confortável.
A invasão do povo do espírito fala de xenofobia, de corrupção, de gentrificação, de vida extraterrestre e também futebol. O autor utiliza denominações substitutivas aos nomes que ao mesmo tempo encobrem e revelam de quem ou de onde se fala: o Cone Sul, terra natal de Gastón; o extremo-oriental; o time da cidade, em que joga o melhor jogador da terra, conterrâneo de Gastón.
Entre várias tramas e dramas, sobressai, à minha leitura, o processo de perdas, ou melhor as perdas em processo. Porque não são rupturas imediatas, mas situações que têm um desfecho previsível e inevitável e que se prolongam no tempo.
É logo no início que descobrimos que Max perderá seu local de trabalho: o dono do restaurante vendeu-o ao norte-oriental sem consultar Max sobre seu interesse em adquiri-lo. Já Gastón será abatido pela notícia de que Gato, seu único companheiro, tem uma doença terminal. Pol também entra no redemoinho das perdas ao abandonar seu emprego e flertar com os limites da sanidade. Gastón, como protagonista e elo de tudo, terá de tentar equilibrar todas as tensões, administrar todas as rupturas que se formaram ao seu redor, na tentativa de manter intacta uma rotina tranquila que se estende por cerca de três décadas. Se ele conseguirá ou não, só chegando ao fim da história, que pode, quem sabe, ser um novo começo.
Título: A invasão do povo do espírito
Autor: Juan Pablo Villalobos
Editora: Companhia das Letras
Ano: 2023
Páginas: 224
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