[RESENHA] BELO MUNDO, ONDE VOCÊ ESTÁ, DE SALLY ROONEY

[RESENHA] BELO MUNDO, ONDE VOCÊ ESTÁ, DE SALLY ROONEY

Outro dia vi uma postagem no Facebook que dizia mais ou menos assim: a Elis Regina não disse por quanto tempo o sinal vai ficar fechado pra nós, que somos jovens. O meu riso mal durou um segundo: é como se atualmente nós fossemos os protagonistas da letra de Como nossos pais (1976), clássico de Belchior imortalizado na voz de Elis Regina. Por nós, entenda a minha geração: a que a internet adora chamar de millennial.

Belo mundo, onde você está, de Sally Rooney (Companhia das Letras, 2021) exemplifica muito bem os conflitos atuais dos nascidos no final so século passado: somos pessoas que tiveram sua base formada em um mundo que não existe mais, tentando viver nesse novo lugar hiper-tecnológico-cheio-de-praticidades, mas que parece a beira do colapso em várias áreas.

A autora, nascida na Irlanda em 1991, é tida como a voz da geração millennial. É uma caracterização correta, mas que não deve restringir a literatura feita por ela. Afinal, para além das reflexões sobre temas incômodos não só aos millennials (estamos todos aqui, no fim das contas), Ronney escreve lindamente: as páginas voam e você só quer ler mais e mais.

 

Leia também: Sally Rooney como produto: a comodificação de Beautiful World, Where Are You, no blog Literatura Inglesa Brasil.

 

O romance é narrado em terceira pessoa, alternando o foco entre duas mulheres: Alice e Eileen. Entre um capítulo e outro, lemos os belos e reflexivos e-mails trocados entre as duas. O livro flutua, então, entre os acontecimentos da vida de Alice e de um rapaz que ela conheceu no Tinder, Felix; e entre Eillen e seu amigo de longa data, Simon. Os conflitos são os usuais do nosso tempo: realização pessoal, dinheiro, amor… ser uma pessoa adulta.

Uma questão interessante é que Alice e Eilleen parecem conversar mais e com mais facilidade no campo virtual. De repente por serem mulheres que trabalham com textos; ou talvez porque a maior parte dos nossos relacionamentos hoje aconteça por intermédio de uma tela. A divisão entre a narrativa da vida acontecendo e os e-mails apresenta uma dualidade muito bacana na estrutura da história: nos e-mails tudo é pensado, editado, bem estruturado… por mais que seja uma correspondência entre amigas. O que está no texto está cristalizado; podemos voltar e ler novamente várias e várias vezes, mas sem alterar nada. A vida real é diferente. Os diálogos são cortados, pensamos mais e falamos menos (ou o contrário). Existe uma interferência em tempo real que molda o que vamos dizer. E o sangue pulsa de uma forma que não dá para controlar.

Seria bastante difícil, além de nada recomendável, destrinchar todos os assuntos que envolvem Belo Mundo. Mas alguns pontos foram extremamente sensíveis para mim, então vou destacá-los nos trechos retirados do livro, leia a seguir:

 

“Ultimamente tenho pensado na política da direita (não temos todos?) e como foi  que esse conservadorismo (a força social) passou a ser associado ao voraz capitalismo de mercado. A ligação não é obvia, pelo menos para mim, já que os mercados não preservam nada, e sim ingerem todos os aspectos do quadro social existente e os expelem, destituídos de sentido e memória, como transações. O que pode haver de ‘conservador’  nesse processo? Mas também me impressiona a ideia de ‘conservadorismo’ seja falsa em si mesma, pois nada pode ser conservado tal como é —digo, o tempo só se move em uma direção. Essa ideia é tão básica que, a primeira vez que pensei nela, me senti genial e depois fiquei me perguntando se eu era uma idiota.”

 

“Olha só o que os conservadores fazem do meio ambiente: a ideia deles é extrair, saquear e destruir, ‘porque é o que a gente sempre fez’ —mas é justamente devido a esse fato que a terra com a qual fazemos isso já não é mais a mesma.

 

O que quer que eu saiba fazer, qualquer talento insignificante que eu possa ter, as pessoas esperam simplesmente que eu o venda — e falo literalmente, vender por dinheiro, até eu ter muito dinheiro e não me restar talento.”

 

“Minha teoria é de que os seres humanos perderam o instinto para a beleza em 1976, quando o plástico se tornou o material mais comum que existe. (…) mas o fato  é que, antes dos anos 1970, as pessoas usavam roupas duráveis de lã e algodão, guardavam bebidas em garrafas de vidro, embalavam hortaliças em papel e enchiam as casas de móveis de madeira resistentes. Agora, a maioria dos objetos no nosso ambiente visual é feita de plástico, a substância mais feia da Terra, um material que, quando tingido, não pega cor, e sim a transpira, de um jeito horrível e inimitável.”

 

“acho que você está enganada quanto ao nosso instinto para a beleza. Os seres humanos o perderam quando o Muro de Berlim caiu. Não vou entrar em outra discussão com você a respeito da União Soviética, mas, quando ela morreu, a história se foi junto. Considero o século xx uma longa pergunta, e no fim erramos a resposta. Não somos uns bebês azarados por termos nascido quando o mundo acabou?”

 

 

Belo mundo, onde você está é um livro que eu reli logo depois de tê-lo lido pela primeira vez. Talvez isso diga mais do que qualquer outra coisa que eu tenha escrito até aqui. E não é que eu já tenha lido os outros dois livros de Sally Ronney, na verdade não li ainda, mas quis ficar mais um pouco com Alice e Eileen. Especialmente relendo os e-mails delas!

Preferi curtir um pouco mais a ressaca que é refletir sobre esse nosso mundo, sobre a beleza. Falando em beleza, o título do livro é uma tradução literal de um verso do poema Die Götter Griechenlands (1788), de Friedrich Schiller. Em 1869, Machado de Assis publicou um versão brasileira do poema, usando como base uma tradução francesa em prosa (Wikipédia).

Elis Regina, você realmente não disse por quanto o tempo o sinal vai ficar fechado pra nós, que somos jovens. Ainda bem que nós ainda temos a literatura. Podemos, pelo menos, curtir a vista da janela.

 

 

Título: Belo mundo, onde você está

Autora: Sally Rooney

Tradução: Débora Landsberg

Editora: Companhia das Letras

Páginas: 352

Compre na amazon: Belo mundo, onde você está

 

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