[Resenha] Bendita seja a filha criada por uma voz em sua cabeça, de Warsan Shire
Sinopse: “Ao mesclar referências ao universo pop e reflexões sobre cultura, religião, diáspora e identidade, os poemas de Warsan Shire podem ser lidos como um poderoso testemunho da época que vivemos.
Depois de participar do álbum Lemonade (2016) e do musical Black is King (2020), de Beyoncé, e de lançar duas festejadas plaquetes de poemas, a escritora nascida em Nairobi e radicada em Londres finalmente publica seu primeiro e aguardado livro.
Bendita seja a filha criada por uma voz em sua cabeça nos apresenta um universo repleto de sofrimento e beleza, luz e sombra, ruído e silêncio. A experiência de crescer no corpo de uma jovem mulher negra em um ambiente francamente hostil marca a escrita da poeta com força brutal e comovente.”
Se é verdade que “dentro de toda mulher existem cômodos trancados”, Warsan Shire destranca vários desses cômodos em seu livro de estreia, “Bendita seja a filha criada por uma voz em sua cabeça” (Companhia das Letras, 2022).
“Minha mãe diz que dentro de toda mulher existem cômodos trancados.
Às vezes os homens — eles trazem chaves,
Às vezes os homens — eles trazem martelos.” (p. 103)
A autora nasceu em Nairóbi, no Quênia, em 1988 e cresceu em Londres. Dentre vários trabalhos premiados, colaborou com Beyoncé no álbum Lemonade (2016) e no musical Black Is King (2020). Não por acaso temos muitas referências à artistas e produções audiovisuais nos poemas, mas tudo explicado pela tradutora Laura Assis no final do livro.
A coletânea aborda temas sensíveis em seus versos: amadurecimento, preconceito racial, xenofobia, amor, sexo e relações familiares. Leitores de Rupi Kaur e Amanda Lovelace certamente gostarão do estilo poético, embora aqui um poema ou outro possa parecer um pouco confuso em uma primeira leitura. Para os que gostam de comparar o original e a tradução, o livro apresenta os versos também no original em inglês. A edição brasileira mantém os termos somalis, incorporando-os à tradução, conforme o original. A nossa edição acompanha, também, o glossário desses termos no final do volume.
“Bendita seja a filha criada por uma voz em sua cabeça” não é a melhor coletânea poética que li este ano, mas foi uma leitura bem interessante. Destaque para “Menina no extremo” e “Bendita seja essa casa”, sobre a consciência da própria negritude em fases diferentes da vida.
“Bendita seja a criança encrespada,
o cabelo em que é esfregado o leite
da crueldade, o crânio amaldiçoado
esmagado entre joelhos adultos,
encharcado de creme rinse.
Eu me lembro de tudo o que você fez comigo.
Mãe, eu consegui
sair da sua casa
viva, criada
pelas vozes
da minha cabeça.” (p. 15)