[Resenha] El túnel (O túnel), de Ernesto Sabato
“…en todo caso, había un solo túnel, oscuro y solitario: el mío”.
Muitas das melhores composições da literatura (pelo menos da ocidental, que conhecemos melhor) são categorizadas como novelas: este meio termo entre o romance e o conto. Embora não seja difícil determinar a diferença entre esses dois últimos, quando a novela entra em cena a coisa muda um pouco de figura. Pelo aspecto puramente quantitativo, há novelas que se passariam perfeitamente por romances mais breves ou por contos mais longos. Para que se resolva a contenda (e mesmo assim em alguns casos restam dúvidas), há que se conjugar, portanto, essa característica do tamanho com aquela outra, intrínseca ao texto, a presença diminuta de núcleos dramáticos.
Dentre as melhores as novelas da literatura, das quais posso dar testemunho como leitor, cito: A metamorfose, de Franz Kafka; A morte de Ivan Ilitch, de Liev Tolstói; Vidas secas, de Graciliano Ramos; Novelas exemplares, de Cervantes; e a minha preferida entre elas, O estrangeiro, de Albert Camus. A essas cabe, sem sombra de dúvidas, juntar El túnel (O túnel), de Ernesto Sabato (com tonicidade proparoxítona no sobrenome), escritor argentino falecido em 2011, próximo de completar um século de vida.
Sabato recebeu em 1984 o Prêmio Cervantes, um dos mais importantes da literatura de língua espanhola. Ainda assim, confesso minha ignorância com relação à sua existência até há bem pouco tempo. Quando me lembro de literatura argentina, estou sempre circulando entre Borges, Cortázar e Bioy Casares, às vezes Silvina Ocampo. Minha descoberta de O túnel se deu não sei mais como. Não sei se pela via indireta de estar lendo alguma coisa, de literatura argentina, em que a obra aparecia referenciada de alguma forma ou se quando participei de um clube de leitura em que estava também um rapaz argentino que a recomendou. Esse esquecimento empresta à história da descoberta de uma obra literária um valor de mistério que nos faz retê-la com mais carinho na prateleira das nossas leituras favoritas, quando assim merece ser. Quando a obra é ruim, tem a vantagem de não podermos guardar rancor de quem nos tenha indicado, por falta de provas.
***
El túnel é contado em primeira pessoa por Juan Pablo Castel, um artista plástico (pintor), a quem desagradam as aglomerações, as pessoas de forma geral e sobretudo os críticos. A novela é também a história de um crime, cometido pelo protagonista e narrador, que se propõe a contá-la, segundo suas próprias palavras, sem vaidade e sem explicações (justificativas).
Sin embargo, no relato esta historia por vanidad. Quizá estaría dispuesto a aceptar que hay algo de orgullo o de soberbia. Pero ¿por qué esa manía de querer encontrar explicación a todos los actos de la vida?
Cuando comencé este relato estaba firmemente decidido a no dar explicaciones de ninguna especie. Tenía ganas de contar la historia de mi crimen, y se acabó, al que no le gustara, que no la leyese.
Já no primeiro período da narrativa nos é revelado por Castel o seu crime, ao redor do qual percorreremos toda a história em busca das circunstâncias que levaram o pintor à tragédia do assassinato.
Bastará decir que soy Juan Pablo Castel, el pintor que mató a María Iribarne; supongo que el proceso está en el recuerdo de todos y que no se necesitan mayores explicaciones sobre mi persona.
O nome de sua vítima também aí está, e, mais adiante, ele se propõe a destrinchar todo o novelo dos acontecimentos.
Todos saben que maté a María Iribarne Hunter. Pero nadie sabe cómo la conocí, qué relaciones hubo exactamente entre nosotros y cómo fui haciéndome a la idea de matarla. Trataré de relatar todo imparcialmente porque, aunque sufrí mucho por su culpa, no tengo la necia pretensión de ser perfecto.
Pelas propostas iniciais do texto, vemos distintamente que o crime é um aspecto secundário da história. A revelação da autoria do delito, pelo próprio criminoso, afasta a história do gênero de romance policial. A despeito de o narrador também ressaltar que não lhe importam as justificativas, que quer apenas contar os fatos, é justamente em busca delas que vamos; e, talvez, apesar de sua atitude evasiva ou mesmo de incompreensão em relação ao que o levou ao cometimento do ato ignominioso, talvez Castel também busque com sua narração entender suas próprias razões.
É a partir disso que chegamos à filosofia existencialista e também absurdista, primeiro de alguns tópicos da novela que gostaria de abordar aqui. Quem não desejar receber revelações de alguns enredos de obras citadas neste texto, recomendo que não continue a leitura, mesmo que elas não sejam suficientes para desmotivarem uma leitura futura.
É inegável a relação que há entre o texto de Sabato e O estrangeiro. Lá também há um crime, e o criminoso desconhece as razões pelas quais o tenha cometido, pelo menos razões, ainda que torpes e banais, que fossem admitidas pela sociedade como motivadoras de um ato violento. Além disso, Castel, em diversas passagens, sente-se perdido em crises existenciais; há uma volatilidade em suas resoluções, ao mesmo tempo em que decide ou julga algo de tal ou qual maneira, reforma sua opinião, volta à original ou descaminha por uma outra, desembocando eventualmente num resultado destroçante, negativo e, por fim, numa espécie de niilismo passivo.
¡La hora del encuentro había llegado! Pero ¿realmente los pasadizos se habían unido y nuestras almas se habían comunicado? ¡Qué estúpida ilusión mía había sido todo esto! No, los pasadizos seguían paralelos como antes, aunque ahora el muro que los separaba fuera como un muro de vidrio y yo pudiese verla a María como una figura silenciosa e intocable… No, ni siquiera ese muro era siempre así: a veces volvía a ser de piedra negra y entonces yo no sabía qué pasaba del otro lado, qué era de ella en esos intervalos anónimos, qué extraños sucesos acontecían; y hasta pensaba que en esos momentos su rostro cambiaba y que una mueca de burla lo deformaba y que quizá había risas cruzadas con otro y que toda la historia de los pasadizos era una ridícula invención o creencia mía y que en todo caso había un solo túnel, oscuro y solitario: el mío, el túnel en que había transcurrido mi infancia, mi juventud, toda mi vida.
(…)
Y entonces sentía que mi destino era infinitamente más solitario que lo que había imaginado.
El túnel é, acima de qualquer coisa, uma narrativa do recôndito, do túnel que está descrito acima. Não é por acaso que em algumas ocasiões Castel ressalta a prevalência do sentir sobre o pensar. Em parte, talvez, por conta de compreender que seu ofício de pintor demanda e ao mesmo tempo provoca (ou quer provocar) sensações estéticas naqueles que observam uma obra de arte, em lugar de pretender explicar alguma coisa. Por isso também sua aversão aos críticos e a suas opiniões repletas de tecnicismos.
En el Salón de Primavera de 1946 presenté un cuadro llamado Maternidad. Era por el estilo de muchos otros anteriores : como dicen los críticos en su insoportable dialecto, era sólido, estaba bien arquitecturado. Tenía, en fin, los atributos que esos charlatanes encontraban siempre en mis telas, incluyendo “cierta cosa profundamente intelectual”.
Como enredo, temos duas comparações com outras obras muito conhecidas: Otelo, de Shakespeare, e Dom Casmurro, de Machado de Assis, que já traz em si elementos da peça shakespeariana. Em El túnel, o ciúme cumpre um papel preponderante na turbulência interior de Castel. Ao se envolver com María Iribarne, o pintor desenvolve uma obsessão por possuí-la, por conhecê-la a fundo, sua história, seus sentimentos, seus planos futuros. María, no entanto, é uma personagem fugidia (de quem podemos nos lembrar aqui?), não se deixa revelar por completo, e em poucos momentos expõe a Castel fatos de sua vida. Até mesmo quando isso acontece, costuma deixar pontas soltas que vão cada vez mais provocando desespero e insegurança em seu amante.
Mas assim como o Betinho de Dom Casmurro, é preciso lembrar que quem conta a história é Juan Pablo Castel, o pintor, o assassino confesso de sua amante, que, apesar de ressaltar mais de uma vez que será fiel em seu relato, é um narrador não confiável.
Pero he dicho que me propongo narrar esta historia con entera imparcialidad, y así lo haré.
Talvez quanto aos fatos não haja do que se duvidar, pois, segundo ele, el proceso está en el recuerdo de todos. Tudo o mais, no entanto, permanece aberto às conjecturas dos leitores. E não são poucas as possibilidades a serem exploradas nesse túnel escuro e solitário. Esta novela de Sabato é, sem dúvida, uma obra-prima, dessas que nos incomodam.
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