[RESENHA] MÃE, DE HUGO GONÇALVES

[RESENHA] MÃE, DE HUGO GONÇALVES

Sinopse: O jornalista e escritor português faz uma investigação íntima e brutalmente honesta sobre os efeitos da perda da mãe na formação da sua identidade e de seu caráter.

Perto de fazer quarenta anos, Hugo Gonçalves recebeu o testamento do avô materno dentro de um saco plástico. Iniciava-se ali uma viagem, geográfica e pela memória, há décadas adiada. O primeiro destino: a tarde em que recebeu a notícia da morte da mãe, em 1985, quando regressava da escola primária.
Durante mais de um ano, o escritor procurou pessoas e lugares, resgatando aquilo que o tempo e a fuga o tinham feito esquecer ou o que nunca soube antes sobre a mãe. Das férias da infância aos desgovernados anos em Nova York, ele foi recolhendo os estilhaços do luto: os corredores do hospital, o colégio de padres, uma cicatriz na perna, o escape do amor romântico, do sexo e das drogas ou uma road trip com o pai e o irmão.
Gonçalves faz um relato biográfico sobre o afeto, as origens, a família e as dores de crescimento, quando já cruzamos o arco da existência em que deixamos de fantasiar apenas com o futuro e precisamos enfrentar o passado. E o livro é também, inevitavelmente, uma homenagem à figura da mãe, ineludível presença ou ausência nas nossas vidas.”

 

Ninguém me contou diretamente mas, naquela manhã, quando eu ouvi os gritos depois de o telefone tocar, soube que a minha mãe havia partido. Lembro que saí correndo descalça. Na época, cheguei a pensar que saí correndo para dar a notícia ao meu pai. Mas na verdade foi um disparo, uma reação automática. Eu queria sentir o meu coração apanhando. Queria parar a vertigem. Queria ficar sozinha. Parei na porta de casa e fiquei uns minutos ali, olhando o portão. Se eu pudesse, teria continuado a correr. Iria para qualquer lugar, desde que pudesse ser longe o suficiente daquela realidade. Eu sabia: minha vida jamais seria a mesma. Nunca mais.

Acho que eu nunca tinha pensado com tantos detalhes no momento em que eu soube da morte da minha mãe até ler o relato do instante crucial vivido pelo escritor e jornalista Hugo Gonçalves em seu livro Mãe, da Companhia das Letras (2021).

 

“Com a exceção do nome da mãe, todos os outros foram alterados. Mas este é um relato verdadeiro, ainda que, na tentativa de fazer sentido, a nossa memória seja tantas vezes imaginação.”

 

Mãe é um romance autobiográfico profundo e belo. No início pensei que as páginas transbordariam “apenas” luto, mas empreendemos aqui uma viagem não só ao passado do autor, mas também a lugares e outros temas que atravessam a família dele. Hugo Gonçalves fez uma narrativa muito honesta, que cativa sem pedir piedade. Um fato curioso é que o livro já havia sido publicado pela Companhia das Letras com o título Filho da mãe (2019).

E por pensar que as páginas transbordariam “apenas” luto, quase não leio este livro. É interessante essa coisa do luto, o incômodo que esse tema gera. Talvez seja assim porque geralmente a gente engole a perda ao invés de vivê-la. Porque a vida segue, e as pessoas têm pressa. Você precisa estar bem para não incomodar. Hoje você tira uma folga ou mata aula na escola. Amanhã a vida tem que continuar. E você, parar de chorar.

No começo fui lendo e traçando paralelos com a minha vida, foi inevitável: a mãe dele chamava-se Rosa Maria. A minha, Lilia Rosa. A dele partiu em 13 de março de 1985. A minha, em 18 de junho de 2006. Ele era um menino cursando a escola primária. Eu, uma jovem de 16 anos. Ele de Portugal, eu, daqui do Brasil. Ele empreendeu essa viagem de volta ao passado algumas décadas após a morte da mãe. Eu, fazendo terapia 15 anos depois (…)

 

“O que faz, afinal, um filho pela sua mãe? (…) Estar aqui é reconhecer o que não tem conserto. Os cemitérios só servem para nos recordar que os mortos estão mortos e a falta que nos fazem. (…) Quando penso na nossa ausência, nos milhares de dias em que ninguém esteve aqui, falando com a fotografia na campa, mudando as flores e limpando a pedra, percebo que esses são também os milhares de dias em que ela não esteve viva.” (p. 177, 178)

 

Mas Mãe é uma leitura que você pode e deve fazer apesar do tema principal, isso se você acha que o luto é um assunto desconfortável. Todos nós, tenhamos vivido este tipo de perda ou não, temos algo herdado do nosso passado. Somos o que somos hoje porque antes alguma coisa aconteceu e nos direcionou para onde estamos. E ainda que este livro não cumpra esse papel de autorreflexão, ou do exercício de olhar com mais empatia para o outro (porque não precisa, e a escolha é sempre do leitor), você terá um romance de prosa limpa e envolvente, uma ótima leitura. Valerá cada palavra.

 

Livro cedido gentilmente pela Companhia das Letras.

 

 

Título: Mãe

Autor: Hugo Gonçalves

Editora: Companhia das Letras

Páginas: 184

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